sexta-feira, outubro 09, 2009

Muros: Exploração de países sub-desenvolvidos

"Não é todos os dias que líderes globais pisam as estradas de gravilha da África austral, elevando-se acima das dunas de areias e de uns meros dois milhões de pessoas. Portanto quando o Presidente Hu Jintao, da China, desceu cá abaixo em Fevereiro de 2007, trazendo consigo uma delegação de 130 pessoas, não foi, claramente, apenas por cortesia.

E na verdade, a China em breve garantiu à Namíbia um grande empréstimo com baixa taxa de juro, que a Namíbia cobria comprando detectores para deter traficantes, fabricados na China pelo valor de 55,3 milhões de dólares. Foi um bom exemplo, disseram os responsáveis chineses, de como praticar o bem na Namíbia podia fazer bem à China também.

Ou era o que parecia até a Namíbia ter acusado a empresa estatal seleccionada pela China para fornecer os detectores - uma empresa que até recentemente era gerida pelo filho do presidente Hu - tinha facilitado o negócio com milhões de dólares em comissões ilegais. E até a China começar a pôr obstáculos quando os investigadores namibianos pediram ajuda para investigar a matéria.

"Agora os detectores parecem ilustrar outra coisa: uma aura de propaganda, secretismo e negócios obscuros tem ofuscado o uso de milhões de dólares em ajuda internacional para conquistar o mundo em vias de desenvolvimento."

New York Times

 "É domingo, por volta das cinco horas da tarde, quando o carpinteiro Thomas Haimbodi deixa o trabalho. Está à espera da carrinha que o vai levar, juntamente com os colegas, do local de construção – o prédio de escritórios do novo Ministério da Terra e Reintegração em Windhoek – para Katutura, cidade dormitório nos arredores da capital da Namíbia. 

«Trabalho nove horas por dia, sete dias por semana», disse Haimbodi. «Nem todos nós fazemos isso, mas eu preciso de trabalhar horas extraordinárias». Os empregadores chineses encorajam essas horas de trabalho terríveis. «Ele oferece um acordo informal que é um pouco mais do que o salário normal». No caso de Haimbodi, “normal” são 10 doláres por dia. 

A maioria ganha muito menos do que isso, mas a chocante taxa de desemprego da Namíbia, rondando os 40 por cento, torna difícil dizer não a qualquer tipo de trabalho.

O empregador de Haimbodi, a China Nanjing International, tem orgulho em oferecer “Construção de Qualidade para o Desenvolvimento Nacional”, segundo um grande cartaz no local de construção.

Contudo, as companhias de construção namibianas locais levaram a Nanjing International a tribunal devido à adjudicação de um contrato governamental de 8.7 milhões de doláres que acreditam ter sido concedido incorrectamente – não tendo, porém, conseguido obter quaisquer resultados positivos. 

«As companhias estatais chinesas (CECs) eliminam as companhias locais porque desrespeitam a legislação laboral», explicou Herbert Jauch, do Instituto dos Recursos e Pesquisa Laboral da Namíbia (LaRRI). Ele é co-editor de um estudo sobre os investimentos chineses em África e o seu impacto no mercado de trabalho, estudo esse que vai ser publicado brevemente.

O estudo revela que os efeitos laterais da política de “Olhar para o Oriente”, que muitos países africanos adoptaram, é alarmante.

Dez países da África Austral participaram no estudo, elaborado pela Rede de Investigação sobre a Mão-de-Obra Africana (ALRN). «No caso da Namíbia, descobrimos que, em 2008, a maior parte das companhias de construção chinesas pagava 35 cêntimos do dólar por hora aos trabalhadores, enquanto que o salário minimo nacional neste sector é um dólar». 

Segundo Jauch, quase 70 por cento dos grandes projectos de construção são controlados por companhias chinesas. «Frequentemente não têm a documentação necessária, como os certificados de igualdade de trabalho, mas continuam a receber valiosos contratos». 

Os investigadores africanos lamentam a perda de empregos que resulta do uso de um grande número de trabalhadores chineses em projectos de construção no continente, assim como a concorrência causada pela importação de produtos baratos “nas lojas chinesas”.

Os investigadores explicam que a «China deu importância aos benefícios políticos e económicos e apresentou-se como parceiro económico atraente e amigo político». 

«Para os governos africanos, isto representou numa alternativa ao chamado ‘consenso de Washington’, sendo agora intitulado ‘consenso de Beijing’, isto é, apoio sem interferência em assuntos internos».

(...)

A China oferece incentivos atraentes aos governos de forma a conseguir que os mesmos abram as portas ao investimento. Por exemplo, o volume do comércio entre a Namíbia e a China é de 400 milhões de doláres mas, acima deste montante, o Presidente chinês, Hu Jintao, concedeu um empréstimo de 100 milhões de doláres ao país, e ainda uma linha de crédito no valor de 72 milhões de dólares.

Em troca dessa ajuda destinada ao desenvolvimento, explica Jauch, o governo chinês tem fácil acesso aos mercados africanos – algo que precisa agora mais do que nunca.

«A situação de desemprego na China, exacerbada pela crise do crédito, resulta no envio, pelo governo china, de um grande número de trabalhadores para o estrangeiro» explica Jauch. «Estes trabalhadores normalmente ganham mais que os seus congéneres africanos».

(...)

Hou não concede contratos. “Frequentemente, os trabalhadores roubam e isso é um grande problema. Tive de contratar seguranças. Se as pessoas tiverem contratos, podem apresentar queixa ao comissário do trabalho. Eu não quero isso. Se alguém roubar, é despedido. É tão simples quanto isso”.

Além dos legumas, a loja de Hou vende de tudo, desde produtos para cabelo até bebidas alcoólicas – todos os produtos com rótulos em cantonês e cuidadosamente acondicionados em filas de prateleiras. 

Este proprietário acredita que os namibianos não são muito produtivos. «Vão cedo para casa no fim de semana mas nós ficamos aqui, sete dias por semana até as oito da noite. É necessário porque as pessoas trabalham durante a semana e querem fazer compras no fim de semana». 

Jauch contesta estas opiniões acerca da produtividade. «Um estudo do Banco Mundial de 2007 mostra que os trabalhadores namibianos estão bem colocados a este respeito na África Sub-Saariana». 

O facto de os produtos e serviços chineses terem virtualmente acesso ilimitado aos mercados africanos é uma “contradição”, se se tomar em consideração as difíceis negociações referentes a um acordo de parceria económica (EPA) com a União Europeia, sustente Jauch.

«Aquilo que está a ser promovido como comércio sul-sul são, de facto, práticas altamente exploradoras. Os chineses têm a oportunidade de jogar este jogo a seu favor»."

IPS - Inter Press Service

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