sexta-feira, setembro 25, 2009

Muros - New York, New York

"Agora via-se obrigado a abrandar. As quatro faixas estavam saturadas de trânsito. Quando o Mercedes subiu o grande arco da ponte, tornou-se visível, à esquerda, a ilha de Manhattan. As torres ficavam tão próximas umas das outras que se sentia a massa e o peso fantástico do conjunto. Ah, quantos milhões de pessoas, de todos os pontos do planeta, ansiavam por estar naquela ilha, naquelas torres, naquelas ruas estreitas! Era ali a Roma, a Paris, a Londres do século XX, a cidade da ambição, a densa rocha magnética, o destino irresistível de todos os que fazem questão de estar no lugar onde as coisas acontecem - e ele, Sherman, contava-se entre os vencedores! Vivia na Park Avenue, a rua de todos os sonhos! Trabalhava na Wall Street, cinquenta pisos acima do solo, na lendária Pierce&Pierce, abarcando com os olhos o mundo inteiro! Estava ao volante de uma utomóvel de 48 000 dólares, na companhia de uma das mais belas mulheres de Nova Iorque (...) ! (...)

- Achas mesmo que eu sou do tipo a quem se chama «miúda»?

- Apetece-me chamar-te miúda, miúda. Ali está a cidade de Nova Iorque.

- Achas mesmo que eu sou do tipo a quem se chama miúda?

- És o mais miúda que se possa imaginar, Maria. Onde é que queres jantar? Nova Iorque é toda tua.

- Sherman! Não era aqui que devias virar?

Ele olhou para a direita. Era verdade. Estava duas faixas à esquerda das faixas que davam para a saída de Manhattan, e não tinha qualquer hipótese de as alcançar. A sua faixa - a faixa a seguir - a outra - todas as faixas - eram procissões contínuas de automóveis e camiões, pára-choques contra pára-choques, avançando a passo de caracol em direcção à portagem, cem jardas mais à frente. Acima da portagem havia um enorme letreiro verde, iluminado por lâmpadas amarelas, que dizia: BRONX UPSTATE N. Y. NEW ENGLAND. (...)

- Em que direcção é que vamos?

- Em direcção ao Bronx.

(..)

- O que é que nós estamos a fazer, Sherman?

- Estou a tentar virar à esquerda, mas não há maneira de virar à esquerda nesta maldita estrada. (...)

À direita, sobre uns edifícios baixos e decrépitos, viu um cartaz que dizia:

ARMAZÉM DE CARNE

O MAIOR DO BRONX

Armazém de carne... nos confins do Bronx... Adiante, mais uma abertura no muro... (...) Prédios baixos, sem janelas... janelas e mais janelas entaipadas... (...)

Chegaram a um pequeno parque circundado por uma vedação de ferro. Tinha de se virar à direita ou à esquerda. As ruas cruzavam-se em ângulos bizarros. Sherman perdera por completo a noção do quadriculado da cidade. Aquilo já não parecia Nova Iorque. Parecia uma cidadezinha decadente da Nova Inglaterra. Voltou à esquerda.

(...)

Agora viam-se carros estacionados ao longo da rua... (...) Quanto mais se aproximavam, mais pessoas... no passeio, à porta das casas, no meio da rua... (...)

E se tivesse um furo? Se o motor ficasse afogado? Havia de ser bonito. (...)

Maria não dizia uma palavra. As preocupações da sua vida luxuosa resumiam-se agora a uma única. A existência humana só tinha um objectivo: sair do Bronx."

Tom Wolfe in A Fogueira das Vaidades (1987)

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